domingo, 11 de setembro de 2011

Cena

Por
Gisa Brum


A plateia atenta acompanha a abertura das cortinas. No palco escuro conseguem perceber seis sombras estrategicamente colocadas. Duas no centro, duas à esquerda e duas à direita.

Luz amarelada incide no canto esquerdo. Vê-se um homem sépia de bigodes e elegantemente trajado. Calça de risca de giz, paletó, bengala, chapéu, colarinho engomado da camisa branca e gravata de laço. Pendente, no colete, uma corrente dourada que terminava em um relógio estrategicamente colocado no bolsinho. Ao seu lado, olhando para o chão, um menino, igualmente sépia, de boné xadrez, camisa clara, calças curtas presas por suspensório. Botinas pretas, meias brancas. Mal respirava ante a altivez do homem. Há uma aura sépia de amor e de cuidado.

Apaga-se a luz amarelada.

Luz acinzentada incide no canto direito. Vê-se um homem azincentado com um blusão de gola rolê branca, de calças boca de sino, jaqueta de couro e sapatos pretos. Cabelo penteado com gel formando uma leve ondulação na frente. Usa óculos escuros e parece mascar chiclete. Está com um cigarro aceso na mão. Ao seu lado, olhando para a frente, um menino, igualmente acinzentado, de calças curtas, camisa branca e colete de lã xadrez. Cabelo desenhado com gumex, confere-lhe um alto topete na frente que cai um pouco sobre os olhos e os lados são batidos. Masca chiclete e pisca para a plateia com um leve sorriso de canto de boca sob os sorrisos cúmplices do homem. Há uma aura acinzentada de amor e de cuidado.

Apaga-se a luz acinzentada.

Luzes coloridas incidem no centro do palco. Vê-se um homem colorido. Ele é forte e usa jeans, camiseta branca e tênis. Cabelo cortado com máquina 4 dos lados e 6 em cima. Não usa barba, nem bigode. Embaixo do braço leva o ipad e na outra mão um celular último tipo. Ao seu lado, olhando para todos os lados, um menino, igualmente colorido. Usa boné com a aba virada para trás, short, camiseta e tênis. Às vezes, concentra-se no jogo eletrônico, modelo novo, que traz nas mãos e em meio a bip-bips comemora os pontos acumulados, com gritos de incentivo do homem. Há uma aura colorida de amor e de cuidado.

Apaga-se a luz colorida.

Fecham-se as cortinas e dá-se o diálogo de emoções por encerrado. A plateia sai em silêncio, absortos nos pensamentos e lembranças, atuais ou distantes, boas ou ruins, saudosas ou insuportáveis que as imagens lhes causaram. Todos carregam, como brinde, algum fragmento das auras que circularam no ambiente cuidadosamente embrulhados em caixinhas douradas com fitas vermelhas entregue a cada um na saída da sala. Apagam-se as luzes do teatro. No palco, as seis figuras olham-se e despedem-se com um leve cumprimento de cabeça, caminhando em sincronia na direção da mulher translúcida que surge do escuro da cena com um grande álbum nas mãos. Cada dupla regressa para sua fotografia e assume a posição original. A mulher fecha o livro e sorri. Sabe da necessidade dessa troca de energias de tempos em tempos, afinal, ela é a vida.

Nenhum comentário:

Postar um comentário