terça-feira, 6 de setembro de 2011

A casa estreita

Hoje em dia, é cada vez mais difícil encontrar uma casa assim. Mas naquela época a maioria das residências do centro da cidade seguia aquele mesmo padrão de disposição das peças: uma fachada estreita, de 6 a 8 metros, e um corredor comprido, ao longo do qual as salas e os quartos se seguiam uns aos outros. Uma pequena área de luz tentava prover um pouco de sol a nossas vidas, e, com certo exagero, chamávamos aquilo de pátio. Nele cabia todo o país da minha infância.
Não havia garagem. Os carros daquele outrora não tinham estas veleidades, de exigir uma peça enorme da casa só pra si, e de ter mais espaço do que os seus tripulantes. Tampouco tinham se tornado integrantes da família, aos quais se dedica especial devoção. Jaziam a noite toda estacionados na rua, na frente das casas daquelas poucas e invejadas famílias que os possuíam.
E ainda por cima havia janelas na casa. Por elas não entrava apenas o sol do crepúsculo, dourando os tecidos da alfaiataria do meu avô. A gente se debruçava nelas e ficava pouco acima do nível dos passantes da rua. Não havia recuo frontal, e a janela dava diretamente para a calçada. Meu avô largava o seu dedal e os seus alfinetes para conversar com os não raros conhecidos que voltavam do trabalho. Estranhamente, apesar de não motorizados, os viventes daquelas quadras sempre dispunham da calma e do tempo suficiente para uma conversa fiada.
Para a criança que eu era, a rua não era um lugar ameaçador, do qual eu tinha que ser protegido a todo custo. Atravessá-la não era o esporte radical que se tornou hoje em dia, e já aos seis anos eu caminhava sozinho os quarteirões que me separavam do meu colégio, sem que alguém tivesse a ideia de processar os meus pais por abandono.
Nas noites de verão, as bolas de futebol disputavam com as cadeiras o direito de ocupar o espaço nas calçadas. A noite era nossa amiga, e o mundo era jovem e alegre como nossos gritos de gol.
A casa estreita era o centro do mundo, o marco zero de onde partiam todos os sonhos, a moldura dos largos mundos a descobrir. Ela ainda está lá, existe ainda e por enquanto, mas, transformada em estabelecimento comercial, passa as noites vazia e solitária, e duvido que seja hoje tão feliz como naqueles tempos.

Um comentário: