quarta-feira, 7 de setembro de 2011

Coisas de criança

Por
Maria Izabel Arndt

-        Quem fez o mundo?
-        Deus  fez o mundo.
-        Deus é justo e bom?
-        Sim, justo e bom.

Este diálogo, repetido quase como um mantra  ressoa ainda como o badalar dos sinos de bronze daquela  velha e pequena igreja.  Sentia o coração bater na garganta, tal era o desejo sincero de saber: e quem fez Deus? Mas esta , eu sabia, era uma pergunta proibida. E eu não me atrevi...

Por isso o silêncio... Por isso eu , a repetir: Deus   fez o mundo... Deus é justo e bom.

Tinha oito anos, mais ou menos, e me preparava para a primeira comunhão. O Padre Libório, também respeitável comerciante da cidade, prestes a desaparecer, viria no final do ano para o Sacramento. E veio! Vestia sapato  branco, véu e uma pequena tiara (eu, não o padre). 

-        Eu , pecadora, me confesso... porque pequei muitas vezes...  respondi para minha mãe; briguei com minha amiga...   (Só? E se eu esqueci de algum? Será que menti?)

Não. Mentir era absolutamente impossível com o pai que eu tinha... Ele havia inscrito  em mim uma lista de pecados da infância (e de toda a vida) e colocado no seu topo a mentira. O  jeito era falar sempre a verdade!

Bem, se Deus existe e ele é justo e bom, sabe do meu esforço  para lembrar de todos os meus pecados. Tanto que, na dúvida, inventei um, não lembro  exatamente o que foi. Quando se trata de confessar, é melhor sobrar do que faltar...

Mas e a mentira? O que mereceria maior castigo? Esquecer algum? Ou inventar outro?

Enfim...confessados  os pecados, vividos e  inventados, o Padre deu  a penitência:

-        Reza um pai-nosso, dez  ave-marias , um creio em deus padre e não voltes a pecar!

Pecado é fazer isto com as crianças!

Um comentário:

  1. Um pecado aceito e perpassado como dogma. Aliás, há pecado maior que coibir a criança a pensar? Se há uma determinada crença no pecar, por que fazer que suas capacidades de pensar se resumam em pecados, em perdões, em criadores; e não em razão, em vida como oportunidade (e não pagamento de uma dívida), em ser capaz de criar (como a criança o deve ser). Há uma certa falta de respeito nisso: pega-se a capacidade das crianças e a transforma literalmente em ser moderado, sobre os moldes dos conformistas-pregadores-dum-mundo-melhor.
    Acreditar é uma coisa; impor é outra.
    Que nossas crianças tenham a chance de ter familiares que pensam por elas, não em si mesmos. Pois, pai e mãe que obrigam a crer não estão estão pensando nas crias, apenas em salvar-se daquilo que nunca teve certeza de existir; que nunca encarou como uma criação religioso-social para governar nações e usufruir de seus dinheiros.

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